Wagner: Estamos fazendo essa pesquisa sobre memória LGBT em Bagé, pra conhecer essa história e também construir a narrativa de Bagé para além de só a cidade tradicionalista. Eu queria então que tu se apresentasse e falasse a tua idade.
Aline: Bom, meu nome é Aline e eu tenho 23 anos.
Wagner: Qual é tua relação com a cidade de Bagé?
Aline: Bom eu nasci aqui e cresci, a minha vida inteira. Enfim, a minha vida na verdade é e sempre foi aqui, minha cidadezinha que eu amo de coração.
W: Tu se identifica dentro da sigla LGBT?
A: Sim.
W: Onde?
A: Então, é complicado. Porque, pra mim, eu me assumi, uma coisa que eu ainda não consigo definir muito bem mas, faz mais ou menos um ano, um pouco mais de um ano. Dentro da sigla eu não sei, porque na verdade o problema tá dentro de mim ainda, que eu preciso conhecer melhor, tanto eu faço terapia pra ajudar, porque sozinha eu realmente não consigo me identificar. Estive numa transição muito grande na minha vida nesse último ano, 2018 na verdade. Então, talvez..., eu não sei ainda. [Tranquilo.] Mas hoje é muito diferente, a minha vida mudou muito, então talvez eu me considere lésbica.
W: E, nesse processo da mudança, como foi pra ti começar a perceber essas outras identidades?
A: Na verdade eu sempre soube né. Eu sempre me senti diferente dos outros mas, eu fiquei digamos que, vinte e dois... vinte e um anos da minha vida vivendo uma coisa que não era. Mas assim, não é de hoje que eu fico com meninas né? Eu sempre fiquei a vida inteira, mas sempre escondido, ninguém sabia ou, sei lá, com outras meninas que também se sentiam assim. Ou só em festas LGBT que o pessoal... GLS, digo o termo que o pessoal usava aqui para as festas, que agora até mudou, mas assim.. é isso.
W: E nessas mudanças, tu ta tendo esse processo de se assumir para as outras pessoas?
A: Já me assumi né, já me assumi pra minha família. Primeiramente pra minha família, pra minha mãe e pra minha avó. Depois, enfim, porque eu namoro uma menina faz um ano e três meses e quando eu comecei a ficar com ela foi super assumido, desde o primeiro momento, então, pras pessoas não teve um momento em que eu peguei e falei sou lésbica, sou bissexual, mas pra minha família sim. Na verdade, com a minha mãe eu sempre fui muito clara desde o princípio, desde o início, mas a minha vó já foi diferente, ela descobriu por outras pessoas que acabaram falando coisas horríveis pra ela, que causaram uma sensação ruim entre eu e ela, que eu tive que me explicar. Na verdade não era assim que eu queria que acontecesse mas, enfim, foi o que aconteceu.
W: Qual teu núcleo familiar aqui?
A: Eu moro com a minha mãe e a minha avó mora sozinha aqui no centro. Meu avô já faleceu, eu não tenho muito contato com o meu pai, com a família do meu pai. Não tenho muito contato. Mas a minha família mesmo é a minha mãe e a minha avó.
W: Nisso a identidade LGBT foi alterando a relação com a tua família?
A: Não, enfim, da maneira que minha avó soube tive alguns atritos com ela, sim, mas coisa rápida. Até fiquei surpreendida da maneira como elas, como ela reagiu, e como ela aceitou, o que não é uma questão de aceitar na verdade porque eu não estou fazendo nada de errado mas, como ela digeriu essa situação, não sei, uma pessoa idosa né, que é mais difícil, infelizmente, mas foi tranquilo. A minha mãe é uma pessoa super tranquila, cabeça aberta, nova, então não teve problema com ela.
W: Como foi pros teus amigos, tu tinha amigos LGBTs, teve mudanças?
A: Bom, aí é uma questão mais complicada né. Porque, por incrível que pareça, pra mim é uma questão mais complicada do que a minha família. Eu tenho muitos grupos de amigos distintos de fases distintas da minha vida. De quando eu era criança, de quando eu era adolescente, do colégio, de fora do colégio, da faculdade, do meu trabalho, então eu tenho muitas pessoas no meu círculo de amizade. Essas pessoas, cada grupo reagiu de uma maneira. Por exemplo, eu não falo isso muito no meu serviço, até porque a minha namorada não gosta, porque ela tem medo que eu sofra algo ruim, algum preconceito, mas também não escondo, só não fico falando da minha vida ali, até porque eu sou uma pessoa mais reservada, não gosto de ficar expondo a minha vida, mas eu não escondo. Meus amigos de antigamente, algumas a partir do momento em que eu me assumi se assumiram também, tomaram coragem e se assumiram, e foi natural. Outras que eu tive, sei lá, em decorrência de outras amizades que eu fui conhecendo, se afastaram de mim, nunca mais falaram comigo, mas que pra mim também não faz muita diferença. A maioria dos meus amigos eu nunca tive um momento da vida em que eu cheguei e falei assim “bom amigos agora eu queria contar pra vocês que eu sou bissexual” ou que “eu me entendo hoje por lésbica”, não. Pra essas pessoas que se afastaram eu sei que viram coisas que não gostaram e só sumiram, e graças a Deus eu nunca tive que conversar com esse tipo de gente, porque pra mim não agrega nada né. Mas meus amigos a maioria foi tranquilo, alguns outros sempre com uma certa curiosidade, assim, que eu sei que não tem maldade, mas é por desconhecer mesmo certas coisas e até não imaginar.
W: E no período do colégio, pequena, ensino médio, e até agora na faculdade, a tua identidade quanto uma pessoa LGBT interferia nesse período, fazia parte?
A: Não é que interferia porque eu sempre fui muito fechada quanto a isso, eu sempre fui uma pessoa muito fechada, não contava o que eu sentia pra ninguém, tanto que eu passei a minha adolescência inteira sem namorar, eu ficava esporadicamente com alguns rapazes, e nas escondidas com algumas meninas algumas vezes.
W: Adolescente tipo?
A: Adolescente tipo 14, 15, 16, que antes disso eu não ficava com ninguém. Mas isso foi tipo, eu ficava nessas de escondida e tal, só que eu nunca fui de me abrir muito, sabe? Então, eu acabei, era visível que eu não era igual as meninas que ficavam com homens. Eu tinha um bloqueio muito grande em me abrir com homens, em ficar com homens, e acreditar, e me entregar, e isso e aquilo, e aquilo outro, tudo que uma relação normal heterossexual, então eu não conseguia me relacionar com homens durante muito tempo. Só que eu sempre fui muito dependente emocionalmente das pessoas, e eu não entendi porque só que eu achava que eu tinha que seguir aquele padrão porque isso era o normal, era o esperado das pessoas de mim então, tá, eu seguia aquilo só que eu seguia aquilo achando que sempre tinha alguma coisa que não era cem por cento eu e feliz. Daí na faculdade foi que eu tive mais acesso, eu conheci pessoas LGBTs que me fizeram conhecer outro eu, que eu tive acesso a coisas, a possibilidades que eu nunca tive antes. Porque eu convivia em momentos da minha vida ou com pessoas iguais, exatamente iguais a mim, ou seja, fechadas que não se assumiam, ou eu convivia com pessoas heterossexuais e eu seguia o padrão, eu seguia aquilo ali. Eu não conseguia me mostrar da maneira que eu era, e a partir da faculdade eu me senti mais livre, eu comecei a falar mais, a me posicionar diferente, e isso incomodou algumas vezes a minha família, por quê? Porque eu sempre me mostrei uma pessoa que eu não falava, eu aceitava, as pessoas falavam certas coisas pra mim e eu não batia de frente, eu não retrucava, eu só deixava tipo tá, foda-se, vai, não vou falar, não vou me cansar falando. E aí quando eu entrei na faculdade isso mudou e a minha mãe começou a achar que eu tinha outra personalidade, e eu soube porque eu comecei a questionar algumas coisas porque eu comecei a mudar, e na verdade não é mudar, é ser quem eu sou. É me sentir livre. E aí eu tenho muitos amigos, me relaciono com muitas pessoas hoje em dia LGBTs que me impulsionaram a me libertar, a me mostrar, mesmo.
Christian: Na sua infância, na sua adolescência, que lembra de ter ouvido de pessoas LGBTs na cidade? Ou seja, o que lembra ter ouvido de familiares, de amigos, qual era a percepção, você acha, de pessoas LGBT?
A: De ouvir em que sentido? De ouvir a opinião das pessoas ou de ouvir falar de pessoas que são homossexuais.
C: Sim, que tipo de comentários faziam na sua família, no seu grupo de amigos sobre pessoas LGBTs, ou talvez de pessoas aleatórias na cidade.
A: Eu fui criada pela minha mãe, minha vó e meu avô. Meu avô faz seis anos que faleceu. Meu avô era uma pessoa extremamente preconceituosa, extremamente preconceituosa. Se ele tivesse vivo até hoje eu não sei se eu teria me assumido, porque com certeza eu ia sofrer muito dentro da minha família, e a minha avó era uma pessoa extremamente submissa a ele e após o falecimento dele se libertou também. Então, a minha mãe sempre foi muito aberta, porque minha mãe é muito jovem, né. Minha mãe tem 20 anos de diferença de mim, então ela é uma pessoa muito nova. Dezenove anos na verdade. Então dentro da minha família eu ouvia pouco falar, quem mais eu ouvia falar era a minha mãe porque ela tinha amigos que eram homossexuais. A minha dinda que é uma pessoa muito diferente, muito, muito, muito diferente, e até tá sempre envolvida nessas causas e ela é uma pessoa extremamente dada para esse tipo de causa, adora ajudar e tal. Coisas que eu ouvia, eu via amigos da minha mãe, amigas da minha mãe lésbicas, professores, porque eu convivi muito na faculdade da minha mãe porque eu nasci a minha mãe tava na faculdade, me criei ali dentro do Corujão. E tu sabe, vocês sabem, que têm certos cursos que têm mais tendência a terem pessoas mais liberais e outros cursos que são mais restritos, as pessoas se sentem mais presas, não conseguem se libertar tanto. Ali no campus do Corujão, da arquitetura, o pessoal é mais livre, mais espontâneo, então eu convivi muito com isso e eu via bastante gente lá, fora de casa, mas dentro da minha casa nem me lembro de ter ouvido a minha família comentar.
W: Quais atividades tu exerce hoje em dia na cidade?
A: Eu tô me formando, to no décimo semestre de direito ali na Urcamp, e eu faço estágio aqui no ministério público. Efetivamente lugares que eu frequento cem por cento da semana são esses.
W: Tu acha que a Urcamp tem essa abertura pra diversidade? Como tu acha que é ser uma pessoa LGBT na Urcamp?
A: Embora a própria reitora da faculdade seja uma pessoa homossexual a Urcamp deixa muito a desejar. Deixa muito a desejar porque vem de professores o preconceito, tem professores que negam o racismo, negam a homofobia... inclusive expõe em jornais da faculdade que a homossexualidade... a homossexualidade é tratada cem por cento como fator externo, que o meio onde a pessoa convive que influencia, que ninguém nasce homossexual, ela escolheria ser. Então a Urcamp deixa muito a desejar. E inclusive é um ponto que eu gostaria de reclamar muito da Urcamp e toda vez que eu puder reclamar eu vou reclamar.
W: Tu falou dos teus amigos, queria saber como foram as pessoas, e nem só da tua volta mas até referências de fora, referências pra ti nesse processo de se assumir e da identidade que tu assume hoje em dia.
A: Posso afirmar que, digamos que oitenta por cento do impulso que eu tive pra me assumir eu tive pilares dos meus amigos, de resto era a minha vontade, sempre presa ao meu medo, de ser ridicularizada, de sofrer algum preconceito, mas eu tive muitas forças nos meus amigos, porque eu tenho um amigo que ele me ajudou muito, mesmo eu não tendo conversado porque eu não converso muito sobre isso, é uma característica minha de não puxar, mas eu tenho um amigo que foi muito importante mesmo eu nunca tendo falado pra ele isso porque eu conheci ele namorando uma amiga minha. Conheci ele através dessa minha amiga, só que do primeiro dia que eu conheci ele lá, sei lá, em 2010, eu sabia que no mínimo bissexual ele era. E aí o namoro dele acabou com essa minha amiga e eu continuei amiga dele, até acabei me afastando dessa minha amiga e me aproximei dele. Mas na época que isso aconteceu nem perto de eu me assumir. Só que eu vi a transição dele de se assumir, de contar pros pais dele, o pai dele é pastor então foi muito difícil a aceitação da família dele, e ele meteu a cara e azar, entendeu, decidiu se assumir e se assumiu mais velho, porque ele não é novo, ele é mais velho que eu, e tudo isso foi muito difícil pra ele e eu acompanhei de perto, então isso teve muita importância pra mim sim. E os meus amigos me ajudaram muito pra que eu tivesse coragem de, primeiro me entender, me aceitar, na verdade não é me aceitar, é me compreender, e me assumir, contar pras pessoas.
W: Indo conhecendo os espaços, assumindo essa identidade, quais lugares aqui tu foi para conhecer pessoas, se relacionar com pessoas?
A: Eu erradiquei cem por cento algumas coisas que eu participava somente pra cumprir tabelas, como por exemplo frequentar alguns estabelecimentos que eu não gostava, mas eu ia porque todo mundo ia. Festas, por exemplo, tem lugares aqui que eu ia porque eu ia, porque os outros iam, porque as pessoas que eu andava iam e ninguém nunca tinha me convidado pra fazer outras coisas, meus amigos ou amigas que eram assim como eu, que não tinham essa expressão que hoje eu tenho nunca frequentavam também. Então a partir do momento que eu me assumi eu simplesmente decidi que eu não ia mais participar de nada que eu não gostasse, de nada que não fosse o que eu quisesse, só pra eu ir pra agradar os outros, e eu parei de frequentar sim muitos lugares aqui e, como todo mundo conhece aqui, a famosa Blackout né, passou a ser o lugar onde eu me sentia tranquila pra ir, sem medo de ir e ser ridicularizada, sem medo de ir e me sentir estranha, me sentir fora, sentir que as pessoas vão me olhar. Porque querendo ou não eu vivi vinte e um anos da minha vida de uma maneira e pras pessoas que eu não tenho uma ligação, que eu não devo explicações, é estranho, pras pessoas me olharem hoje e nao ficarem olhando torto, ou ficarem comentando e esse tipo de coisa são coisas que me incomodam. São lugares que eu não fazia questão de participar, de frequentar. Hoje pra mim eu realmente faço cem por cento do que eu quero e vou aonde eu quero, então Bagé tem poucos lugares que acolhem pessoas de uma maneira que a gente gostaria e são esses lugares que eu frequento hoje.
W: Quer falar desses lugares, quais são, além da Blackout? Quais outros lugares, outras festas.
A: Tem alguns outros lugares como, por exemplo, algumas cervejarias, a Mão Preta, lá é um lugar que eu me sinto muito bem. Algumas lancherias, que o pessoal não vai só pra comer, vai pra beber, vai pra conversar e tal, o Broa é um lugar onde eu me sinto super bem.
W: Quando tu começou a sair, qual foi a primeira festa?
A: A Blackout, cem por cento a Blackout.
W: Tu não foi em outras festas?
A: Eu não me lembro... fui uma vez que foi tranquila, foi lá no Zingaros.
W: Eu lembro que existia a Superafim, eu não conheci elas.
A: Não participei dessa fase aí, nessa fase aí eu ficava em casa conversando no Orkut com as pessoas, eu não saia.
W: Tu também falava com meninas nas redes sociais pra se relacionar?
A: Então, não. Eu não falava, até porque eu tinha muito medo. Mas desde pequena, uma vez eu lembro muito de uma história que, até acho que se duas pessoas sabem disso, é muito, eu não sabia muito bem como lidar com a situação de eu sentir atração por meninas quando eu era criança, ou pré-adolescente, adolescente, quando eu era do colégio, ensino fundamental. Então eu achava que eu sentia uma super amizade, entendeu, e uma vez eu achava, eu sentia uma coisa muito estranha por uma menina, e eu achava que eu queria ser super amiga dela, eu tinha muita vontade de estar perto dela, e eu não sabia o que era isso, pra mim, na época era uma amizade incrível, e eu escrevi, eu fiz uma cartinha pra ela, e comprei um perfume, e mandei pra ela, e disse que eu queria muito ser amiga dela, queria me aproximar dela e ela simplesmente abriu a cartinha e contou pra todas as amigas que eu tinha feito isso. Bom, daí eu nunca mais né, nunca mais, simplesmente fingi que ela não existia e me fechei pra tudo, isso foi uma coisa que me travou muito, e eu sei que tiveram muitas consequências que eu não tive como controlar nem lidar.
C: Quantos anos você tinha quando aconteceu isso?
A: Quantos anos eu tinha? Eu acho que eu tinha uns 13, doze, treze anos.
W: Como tu se aproxima, se aproximava, das pessoas que tu tem interesse.
A: As pessoas que eu ficava ou que eu fiquei, meninas, do mesmo sexo que eu, primeiro eu fiquei com uma amiga minha, que até hoje em dia, graças a mim que ela tomou coragem e tal, de começar a viver o que ela é. Eu fiquei com ela, mas pra mim aquilo não era, não sei porque eu não conseguia mostrar pras pessoas isso, eu não conseguia ficar com ela na frente dos outros, e nem ela, era uma coisa que a gente fez algumas vezes, nós ficamos algumas vezes, mas era tipo nós somos amigas, e deixa isso quieto. Eu comecei mesmo a ficar com meninas não faz muitos anos, e eu ficava em festas, porque eu achava que eu era bissexual mas dentro de certos limites, só quando eu me senti cem por cento segura pra me assumir pras pessoas que eu consegui ver que na verdade eu só não ficava com mais meninas, eu só não falava com as meninas, porque eu achava que isso não era o certo. Eu nunca cheguei a chamar alguém, na verdade a minha namorada sim, porque fui eu quem deu em cima, mostrei que queria, mas era só em festa que eu ficava com meninas, e pronto acabou. Saia dali e não falava com ninguém, não tinha coragem de falar com ninguém, era assim que eu ficava no início.
C: Quando você menciona festas que ficava com meninas, era só a Blackout?
A: Só a Blackout.
C: Só a Blackout onde você se sentia confortável?
A: Só a Blackout.
W: E outros lugares da cidade?
A: Não. Lá em Pelotas na TheWay, lá em Pelotas na TheWay sim, lá eu ia e tava em casa. Lá era até mais, eu me sentia até mais livre do que aqui. Mesmo a Blackout sendo pra mim um local tranquilo, que eu me sentia livre, mas lá em Pelotas, lá sim, completamente diferente.
C: E você frequentava Pelotas?
A: Sim, eu já fui várias vezes.
C: E era especificamente para curtir as festas de lá?
A: Sim, porque eu já fui outras vezes em Pelotas, pra ir em outras festas, mas acabei mantendo uma ida lá muitas vezes especificamente só pra ir pra TheWay, de comprar até em Bagé os ingressos de sexta e sábado pra ir. Passava o final de semana lá e ia especificamente lá.
C: E como foi essa experiência?
A: Mas isso tudo a partir da faculdade, do momento em que eu comecei a faculdade. Na verdade eu conheci a Blackout eu tinha 18 anos, eu fui passar meu aniversário de 18 anos lá com uma amiga minha que eu sabia, eu soube a vida inteira, que era homossexual e que também só conseguiu se assumir a partir de que eu comecei a... ela entrou na faculdade, ela começou a ver que eu tava meio que tacando o foda-se pras coisas e ela também tomou coragem. Daí eu convidei ela, nós fomos pra Pelotas e conhecemos essa festa e a partir daí a gente começou a ir, o tempo inteiro, toda hora a gente ia, todo final de semana a gente passava lá, arranjava casa de alguém ou ia pra algum hotel, e ia pra lá.
W: Tu acha que entre as mulheres que se relacionam com mulheres existe preconceitos por ser talvez lésbica ou bissexual?
A: Existe muito mais preconceito da pessoa ser bissexual do que da pessoa ser lésbica.
W: De uma mulher lésbica se relacionar com uma bissexual?
A: Pra todo mundo, porque inclusive eu ouvi isso dentro do meu serviço, do meu chefe, dele perguntar sobre uma pessoa e eu falar que ela é bissexual e ele dizer que na verdade ela não é bissexual, ela pratica libertinagem. No momento em que eu me assumi as pessoas automaticamente me enquadraram como uma menina bissexual, na qual fica com homens ou fica com mulheres, se relaciona com homens e mulheres, e na verdade só eu posso dizer isso, só eu posso saber ou não o que eu sou. Mas como eu vivi 21 anos da minha vida, mostrando que eu ficava apenas com homens é difícil pras pessoas aceitarem que na verdade eu gosto de mulher, que por eu já ter ficado com homens em momento nenhum da minha vida eu posso ser lésbica. Por a pessoa ser bissexual, as pessoas já veem que não vai poder se relacionar com ela que um dia ela vai querer mulher, outro dia vai querer homem, um dia gosta de mulher outro dia gosta de homem, então é mais fácil, digamos assim, a pessoa ser homossexual, porque ela só vai gostar de uma coisa ou ela só vai gostar de outra coisa, e o bissexual não, as pessoas falam uma hora ela gosta de homem outra hora ela gosta de mulher. Eu acho sim que existe um grande preconceito, muito maior, com as pessoas bissexuais do que com as pessoas homossexuais.