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ALINE ALANO

30 de Outubro, 2019

Aline Alano é uma mulher lésbica de 23 anos, concluinte do curso de Direito na Urcamp. Sua entrevista aconteceu na manhã do dia 30 de outubro de 2019, conduzida por Wagner Previtali e Christian Flores.

Aline Alano: About Us
Aline Alano: Music Player

Wagner: Estamos fazendo essa pesquisa sobre memória LGBT em Bagé, pra conhecer essa história e também construir a narrativa de Bagé para além de só a cidade tradicionalista. Eu queria então que tu se apresentasse e falasse a tua idade.


Aline: Bom, meu nome é Aline e eu tenho 23 anos.


Wagner: Qual é tua relação com a cidade de Bagé?


Aline: Bom eu nasci aqui e cresci, a minha vida inteira. Enfim, a minha vida na verdade é e sempre foi aqui, minha cidadezinha que eu amo de coração.


W: Tu se identifica dentro da sigla LGBT?


A: Sim.


W: Onde?


A: Então, é complicado. Porque, pra mim, eu me assumi, uma coisa que eu ainda não consigo definir muito bem mas, faz mais ou menos um ano, um pouco mais de um ano. Dentro da sigla eu não sei, porque na verdade o problema tá dentro de mim ainda, que eu preciso conhecer melhor, tanto eu faço terapia pra ajudar, porque sozinha eu realmente não consigo me identificar. Estive numa transição muito grande na minha vida nesse último ano, 2018 na verdade. Então, talvez..., eu não sei ainda. [Tranquilo.] Mas hoje é muito diferente, a minha vida mudou muito, então talvez eu me considere lésbica.


W: E, nesse processo da mudança, como foi pra ti começar a perceber essas outras identidades?


A: Na verdade eu sempre soube né. Eu sempre me senti diferente dos outros mas, eu fiquei digamos que, vinte e dois... vinte e um anos da minha vida vivendo uma coisa que não era. Mas assim, não é de hoje que eu fico com meninas né? Eu sempre fiquei a vida inteira, mas sempre escondido, ninguém sabia ou, sei lá, com outras meninas que também se sentiam assim. Ou só em festas LGBT que o pessoal... GLS, digo o termo que o pessoal usava aqui para as festas, que agora até mudou, mas assim.. é isso.


W: E nessas mudanças, tu ta tendo esse processo de se assumir para as outras pessoas?


A: Já me assumi né, já me assumi pra minha família. Primeiramente pra minha família, pra minha mãe e pra minha avó. Depois, enfim, porque eu namoro uma menina faz um ano e três meses e quando eu comecei a ficar com ela foi super assumido, desde o primeiro momento, então, pras pessoas não teve um momento em que eu peguei e falei sou lésbica, sou bissexual, mas pra minha família sim. Na verdade, com a minha mãe eu sempre fui muito clara desde o princípio, desde o início, mas a minha vó já foi diferente, ela descobriu por outras pessoas que acabaram falando coisas horríveis pra ela, que causaram uma sensação ruim entre eu e ela, que eu tive que me explicar. Na verdade não era assim que eu queria que acontecesse mas, enfim, foi o que aconteceu.


W: Qual teu núcleo familiar aqui?


A: Eu moro com a minha mãe e a minha avó mora sozinha aqui no centro. Meu avô já faleceu, eu não tenho muito contato com o meu pai, com a família do meu pai. Não tenho muito contato. Mas a minha família mesmo é a minha mãe e a minha avó.


W: Nisso a identidade LGBT foi alterando a relação com a tua família?


A: Não, enfim, da maneira que minha avó soube tive alguns atritos com ela, sim, mas coisa rápida. Até fiquei surpreendida da maneira como elas, como ela reagiu, e como ela aceitou, o que não é uma questão de aceitar na verdade porque eu não estou fazendo nada de errado mas, como ela digeriu essa situação, não sei, uma pessoa idosa né, que é mais difícil, infelizmente, mas foi tranquilo. A minha mãe é uma pessoa super tranquila, cabeça aberta, nova, então não teve problema com ela.


W: Como foi pros teus amigos, tu tinha amigos LGBTs, teve mudanças?


A: Bom, aí é uma questão mais complicada né. Porque, por incrível que pareça, pra mim é uma questão mais complicada do que a minha família. Eu tenho muitos grupos de amigos distintos de fases distintas da minha vida. De quando eu era criança, de quando eu era adolescente, do colégio, de fora do colégio, da faculdade, do meu trabalho, então eu tenho muitas pessoas no meu círculo de amizade. Essas pessoas, cada grupo reagiu de uma maneira. Por exemplo, eu não falo isso muito no meu serviço, até porque a minha namorada não gosta, porque ela tem medo que eu sofra algo ruim, algum preconceito, mas também não escondo, só não fico falando da minha vida ali, até porque eu sou uma pessoa mais reservada, não gosto de ficar expondo a minha vida, mas eu não escondo. Meus amigos de antigamente, algumas a partir do momento em que eu me assumi se assumiram também, tomaram coragem e se assumiram, e foi natural. Outras que eu tive, sei lá, em decorrência de outras amizades que eu fui conhecendo, se afastaram de mim, nunca mais falaram comigo, mas que pra mim também não faz muita diferença. A maioria dos meus amigos eu nunca tive um momento da vida em que eu cheguei e falei assim “bom amigos agora eu queria contar pra vocês que eu sou bissexual” ou que “eu me entendo hoje por lésbica”, não. Pra essas pessoas que se afastaram eu sei que viram coisas que não gostaram e só sumiram, e graças a Deus eu nunca tive que conversar com esse tipo de gente, porque pra mim não agrega nada né. Mas meus amigos a maioria foi tranquilo, alguns outros sempre com uma certa curiosidade, assim, que eu sei que não tem maldade, mas é por desconhecer mesmo certas coisas e até não imaginar.


W: E no período do colégio, pequena, ensino médio, e até agora na faculdade, a tua identidade quanto uma pessoa LGBT interferia nesse período, fazia parte?


A: Não é que interferia porque eu sempre fui muito fechada quanto a isso, eu sempre fui uma pessoa muito fechada, não contava o que eu sentia pra ninguém, tanto que eu passei a minha adolescência inteira sem namorar, eu ficava esporadicamente com alguns rapazes, e nas escondidas com algumas meninas algumas vezes.


W: Adolescente tipo?


A: Adolescente tipo 14, 15, 16, que antes disso eu não ficava com ninguém. Mas isso foi tipo, eu ficava nessas de escondida e tal, só que eu nunca fui de me abrir muito, sabe? Então, eu acabei, era visível que eu não era igual as meninas que ficavam com homens. Eu tinha um bloqueio muito grande em me abrir com homens, em ficar com homens, e acreditar, e me entregar, e isso e aquilo, e aquilo outro, tudo que uma relação normal heterossexual,  então eu não conseguia me relacionar com homens durante muito tempo. Só que eu sempre fui muito  dependente emocionalmente das pessoas, e eu não entendi porque só que eu achava que eu tinha que seguir aquele padrão porque isso era o normal, era o esperado das pessoas de mim então, tá, eu seguia aquilo só que eu seguia aquilo achando que sempre tinha alguma coisa que não era cem por cento eu e feliz. Daí na faculdade foi que eu tive mais acesso, eu conheci pessoas LGBTs que me fizeram conhecer outro eu, que eu tive acesso a coisas, a possibilidades que eu nunca tive antes. Porque eu convivia em momentos da minha vida ou com pessoas iguais, exatamente iguais a mim, ou seja, fechadas que não se assumiam, ou eu convivia com pessoas heterossexuais e eu seguia o padrão, eu seguia aquilo ali. Eu não conseguia me mostrar da maneira que eu era, e a partir da faculdade eu me senti mais livre, eu comecei a falar mais, a me posicionar diferente, e isso incomodou algumas vezes a minha família, por quê? Porque eu sempre me mostrei uma pessoa que eu não falava, eu aceitava, as pessoas falavam certas coisas pra mim e eu não batia de frente, eu não retrucava, eu só deixava tipo tá, foda-se, vai, não vou falar, não vou me cansar falando. E aí quando eu entrei na faculdade isso mudou e a minha mãe começou a achar que eu tinha outra personalidade, e eu soube porque eu comecei a questionar algumas coisas porque eu comecei a mudar, e na verdade não é mudar, é ser quem eu sou. É me sentir livre. E aí eu tenho muitos amigos, me relaciono com muitas pessoas hoje em dia LGBTs que me impulsionaram a me libertar, a me mostrar, mesmo.


Christian: Na sua infância, na sua adolescência, que lembra de ter ouvido de pessoas LGBTs na cidade? Ou seja, o que lembra ter ouvido de familiares, de amigos, qual era a percepção, você acha, de pessoas LGBT?


A: De ouvir em que sentido? De ouvir a opinião das pessoas ou de ouvir falar de pessoas que são homossexuais.


C: Sim, que tipo de comentários faziam na sua família, no seu grupo de amigos sobre pessoas LGBTs, ou talvez de pessoas aleatórias na cidade.


A: Eu fui criada pela minha mãe, minha vó e meu avô. Meu avô faz seis anos que faleceu. Meu avô era uma pessoa extremamente preconceituosa, extremamente preconceituosa. Se ele tivesse vivo até hoje eu não sei se eu teria me assumido, porque com certeza eu ia sofrer muito dentro da minha família, e a minha avó era uma pessoa extremamente submissa a ele e após o falecimento dele se libertou também. Então, a minha mãe sempre foi muito aberta, porque minha mãe é muito jovem, né. Minha mãe tem 20 anos de diferença de mim, então ela é uma pessoa muito nova. Dezenove anos na verdade. Então dentro da minha família eu ouvia pouco falar, quem mais eu ouvia falar era a minha mãe porque ela tinha amigos que eram homossexuais. A minha dinda que é uma pessoa muito diferente, muito, muito, muito diferente, e até tá sempre envolvida nessas causas e ela é uma pessoa extremamente dada para esse tipo de causa, adora ajudar e tal. Coisas que eu ouvia, eu via amigos da minha mãe, amigas da minha mãe lésbicas, professores, porque eu convivi muito na faculdade da minha mãe porque eu nasci a minha mãe tava na faculdade, me criei ali dentro do Corujão. E tu sabe, vocês sabem, que têm certos cursos que têm mais tendência a terem pessoas mais liberais e outros cursos que são mais restritos, as pessoas se sentem mais presas, não conseguem se libertar tanto. Ali no campus do Corujão, da arquitetura, o pessoal é mais livre, mais espontâneo, então eu convivi muito com isso e eu via bastante gente lá, fora de casa, mas dentro da minha casa nem me lembro de ter ouvido a minha família comentar.


W: Quais atividades tu exerce hoje em dia na cidade?


A: Eu tô me formando, to no décimo semestre de direito ali na Urcamp, e eu faço estágio aqui no ministério público. Efetivamente lugares que eu frequento cem por cento da semana são esses.


W: Tu acha que a Urcamp tem essa abertura pra diversidade? Como tu acha que é ser uma pessoa LGBT na Urcamp?


A: Embora a própria reitora da faculdade seja uma pessoa homossexual a Urcamp deixa muito a desejar. Deixa muito a desejar porque vem de professores o preconceito, tem professores que negam o racismo, negam a homofobia... inclusive expõe em jornais da faculdade que a homossexualidade... a homossexualidade é tratada cem por cento como fator externo, que o meio onde a pessoa convive que influencia, que ninguém nasce homossexual, ela escolheria ser. Então a Urcamp deixa muito a desejar. E inclusive é um ponto que eu gostaria de reclamar muito da Urcamp e toda vez que eu puder reclamar eu vou reclamar.


W: Tu falou dos teus amigos, queria saber como foram as pessoas, e nem só da tua volta mas até referências de fora,  referências pra ti nesse processo de se assumir e da identidade que tu assume hoje em dia.


A: Posso afirmar que, digamos que oitenta por cento do impulso que eu tive pra me assumir eu tive pilares dos meus amigos, de resto era a minha vontade, sempre presa ao meu medo, de ser ridicularizada, de sofrer algum preconceito, mas eu tive muitas forças nos meus amigos, porque eu tenho um amigo que ele me ajudou muito, mesmo eu não tendo conversado porque eu não converso muito sobre isso, é uma característica minha de não puxar, mas eu tenho um amigo que foi muito importante mesmo eu nunca tendo falado pra ele isso porque eu conheci ele namorando uma amiga minha. Conheci ele através dessa minha amiga, só que do primeiro dia que eu conheci ele lá, sei lá, em 2010, eu sabia que no mínimo bissexual ele era. E aí o namoro dele acabou com essa minha amiga e eu continuei amiga dele, até acabei me afastando dessa minha amiga e me aproximei dele. Mas na época que isso aconteceu nem perto de eu me assumir. Só que eu vi a transição dele de se assumir, de contar pros pais dele, o pai dele é pastor então foi muito difícil a aceitação da família dele, e ele meteu a cara e azar, entendeu, decidiu se assumir e se assumiu mais velho, porque ele não é novo, ele é mais velho que eu, e tudo isso foi muito difícil pra ele e eu acompanhei de perto, então isso teve muita importância pra mim sim. E os meus amigos me ajudaram muito pra que eu tivesse coragem de, primeiro me entender, me aceitar, na verdade não é me aceitar, é me compreender, e me assumir, contar pras pessoas.


W: Indo conhecendo os espaços, assumindo essa identidade, quais lugares aqui tu foi para conhecer pessoas, se relacionar com pessoas?


A: Eu erradiquei cem por cento algumas coisas que eu participava somente pra cumprir tabelas, como por exemplo frequentar alguns estabelecimentos que eu não gostava, mas eu ia porque todo mundo ia. Festas, por exemplo, tem lugares aqui que eu ia porque eu ia, porque os outros iam, porque as pessoas que eu andava iam e ninguém nunca tinha me convidado pra fazer outras coisas, meus amigos ou amigas que eram assim como eu, que não tinham essa expressão que hoje eu tenho nunca frequentavam também. Então a partir do momento que eu me assumi eu simplesmente decidi que eu não ia mais participar de nada que eu não gostasse, de nada que não fosse o que eu quisesse, só pra eu ir pra agradar os outros, e eu parei de frequentar sim muitos lugares aqui e, como todo mundo conhece aqui, a famosa Blackout né, passou a ser o lugar onde eu me sentia tranquila pra ir, sem medo de ir e ser ridicularizada, sem medo de ir e me sentir estranha, me sentir fora, sentir que as pessoas vão me olhar. Porque querendo ou não eu vivi vinte e um anos da minha vida de uma maneira e pras pessoas que eu não tenho uma ligação, que eu não devo explicações, é estranho, pras pessoas me olharem hoje e nao ficarem olhando torto, ou ficarem comentando e esse tipo de coisa são coisas que me incomodam. São lugares que eu não fazia questão de participar, de frequentar. Hoje pra mim eu realmente faço cem por cento do que eu quero e vou aonde eu quero, então Bagé tem poucos lugares que acolhem pessoas de uma maneira que a gente gostaria e são esses lugares que eu frequento hoje.


W: Quer falar desses lugares, quais são, além da Blackout? Quais outros lugares, outras festas.


A: Tem alguns outros lugares como, por exemplo, algumas cervejarias, a Mão Preta, lá é um lugar que eu me sinto muito bem. Algumas lancherias, que o pessoal não vai só pra comer, vai pra beber, vai pra conversar e tal, o Broa é um lugar onde eu me sinto super bem.


W: Quando tu começou a sair, qual foi a primeira festa?


A: A Blackout, cem por cento a Blackout.


W: Tu não foi em outras festas?


A: Eu não me lembro... fui uma vez que foi tranquila, foi lá no Zingaros.


W: Eu lembro que existia a Superafim, eu não conheci elas.


A: Não participei dessa fase aí, nessa fase aí eu ficava em casa conversando no Orkut com as pessoas, eu não saia.


W: Tu também falava com meninas nas redes sociais pra se relacionar?


A: Então, não. Eu não falava, até porque eu tinha muito medo. Mas desde pequena, uma vez eu lembro muito de uma história que, até acho que se duas pessoas sabem disso, é muito, eu não sabia muito bem como lidar com a situação de eu sentir atração por meninas quando eu era criança, ou pré-adolescente, adolescente, quando eu era do colégio, ensino fundamental. Então eu achava que eu sentia uma super amizade, entendeu, e uma vez eu achava, eu sentia uma coisa muito estranha por uma menina, e eu achava que eu queria ser super amiga dela, eu tinha muita vontade de estar perto dela, e eu não sabia o que era isso, pra mim, na época era uma amizade incrível, e eu escrevi, eu fiz uma cartinha pra ela, e comprei um perfume, e mandei pra ela, e disse que eu queria muito ser amiga dela, queria me aproximar dela e ela simplesmente abriu a cartinha e contou pra todas as amigas que eu tinha feito isso. Bom, daí eu nunca mais né, nunca mais, simplesmente fingi que ela não existia e me fechei pra tudo, isso foi uma coisa que me travou muito, e eu sei que tiveram muitas consequências que eu não tive como controlar nem lidar.


C: Quantos anos você tinha quando aconteceu isso?


A: Quantos anos eu tinha? Eu acho que eu tinha uns 13, doze, treze anos.


W: Como tu se aproxima, se aproximava, das pessoas que tu tem interesse.


A: As pessoas que eu ficava ou que eu fiquei, meninas, do mesmo sexo que eu, primeiro eu fiquei com uma amiga minha, que até hoje em dia, graças a mim que ela tomou coragem e tal, de começar a viver o que ela é. Eu fiquei com ela, mas pra mim aquilo não era, não sei porque eu não conseguia mostrar pras pessoas isso, eu não conseguia ficar com ela na frente dos outros, e nem ela, era uma coisa que a gente fez algumas vezes, nós ficamos algumas vezes, mas era tipo nós somos amigas, e deixa isso quieto. Eu comecei mesmo a ficar com meninas não faz muitos anos, e eu ficava em festas, porque eu achava que eu era bissexual mas dentro de certos limites, só quando eu me senti cem por cento segura pra me assumir pras pessoas que eu consegui ver que na verdade eu só não ficava com mais meninas, eu só não falava com as meninas, porque eu achava que isso não era o certo. Eu nunca cheguei a chamar alguém, na verdade a minha namorada sim, porque fui eu quem deu em cima, mostrei que queria, mas era só em festa que eu ficava com meninas, e pronto acabou. Saia dali e não falava com ninguém, não tinha coragem de falar com ninguém, era assim que eu ficava no início.


C: Quando você menciona festas que ficava com meninas, era só a Blackout?


A: Só a Blackout.


C: Só a Blackout onde você se sentia confortável?


A: Só a Blackout.


W: E outros lugares da cidade?


A: Não. Lá em Pelotas na TheWay, lá em Pelotas na TheWay sim, lá eu ia e tava em casa. Lá era até mais, eu me sentia até mais livre do que aqui. Mesmo a Blackout sendo pra mim um local tranquilo, que eu me sentia livre, mas lá em Pelotas, lá sim, completamente diferente.


C: E você frequentava Pelotas?


A: Sim, eu já fui várias vezes.


C: E era especificamente para curtir as festas de lá?


A: Sim, porque eu já fui outras vezes em Pelotas, pra ir em outras festas, mas acabei mantendo uma ida lá muitas vezes especificamente só pra ir pra TheWay, de comprar até em Bagé os ingressos de sexta e sábado pra ir. Passava o final de semana lá e ia especificamente lá.


C: E como foi essa experiência?


A: Mas isso tudo a partir da faculdade, do momento em que eu comecei a faculdade. Na verdade eu conheci a Blackout eu tinha 18 anos, eu fui passar meu aniversário de 18 anos lá com uma amiga minha que eu sabia, eu soube a vida inteira, que era homossexual e que também só conseguiu se assumir a partir de que eu comecei a... ela entrou na faculdade, ela começou a ver que eu tava meio que tacando o foda-se pras coisas e ela também tomou coragem. Daí eu convidei ela, nós fomos pra Pelotas e conhecemos essa festa e a partir daí a gente começou a ir, o tempo inteiro, toda hora a gente ia, todo final de semana a gente passava lá, arranjava casa de alguém ou ia pra algum hotel, e ia pra lá.


W: Tu acha que entre as mulheres que se relacionam com mulheres existe preconceitos por ser talvez lésbica ou bissexual?


A: Existe muito mais preconceito da pessoa ser bissexual do que da pessoa ser lésbica.


W: De uma mulher lésbica se relacionar com uma bissexual?


A: Pra todo mundo, porque inclusive eu ouvi isso dentro do meu serviço, do meu chefe, dele perguntar sobre uma pessoa e eu falar que ela é bissexual e ele dizer que na verdade ela não é bissexual, ela pratica libertinagem. No momento em que eu me assumi as pessoas automaticamente me enquadraram como uma menina bissexual, na qual fica com homens ou fica com mulheres, se relaciona com homens e mulheres, e na verdade só eu posso dizer isso, só eu posso saber ou não o que eu sou. Mas como eu vivi 21 anos da minha vida, mostrando que eu ficava apenas com homens é difícil pras pessoas aceitarem que na verdade eu gosto de mulher, que por eu já ter ficado com homens em momento nenhum da minha vida eu posso ser lésbica. Por a pessoa ser bissexual, as pessoas já veem que não vai poder se relacionar com ela que um dia ela vai querer mulher, outro dia vai querer homem, um dia gosta de mulher outro dia gosta de homem, então é mais fácil, digamos assim, a pessoa ser homossexual, porque ela só vai gostar de uma coisa ou ela só vai gostar de outra coisa, e o bissexual não, as pessoas falam uma hora ela gosta de homem outra hora ela gosta de mulher. Eu acho sim que existe um grande preconceito, muito maior, com as pessoas bissexuais do que com as pessoas homossexuais.

Aline Alano: Text

W: Tu acha que tem uma dinâmica entre mulheres, entre aspas, “mais masculinizadas”, “mais femininas”? Tu acha que isso te afeta também?


A: Me afetar não me afeta, até porque eu, eu sou vaidosa, eu sei que eu sou, mas ser vaidosa não significa ser feminina ou ser masculina, entendeu? Tem dias que eu costumo brincar, “tem dias que eu acordo mais sapatão e tem dias que eu acordo menos sapatão esteticamente”. Esses dias - até acho engraçado - que esses dias eu comprei uma camisa masculina só que tem dias que eu gosto de me vestir mais menininha, digamos, só que assim, é tudo da vontade da pessoa, tem pessoas que não se sentem à vontade vestindo os padrões que a sociedade impôs. Que menina usa saia, menina usa vestido, menina usa salto. Por exemplo a minha namorada, a minha namorada ela não se sente à vontade em usar roupas que a sociedade disse que é de mulher, mas ela não é menos mulher por usar só calça, camiseta, camisa. Ela não se sente menos mulher do que eu por usar roupas que a sociedade diz que é masculina. Que pra ela é roupa, e roupa não tem gênero, não deveria ter gênero pelo menos. Que nem o desodorante, desodorante é de sovaco, desodorante não é “de homem” e “de mulher”, desodorante é para passar nas axilas. Acho que as pessoas colocam muito estereótipo em cima de coisas, que na verdade elas complicam muito coisas que não deveriam complicar.


W: Tu sabe de lugares antigamente que existiam aqui em Bagé para pessoas LGBTs, ou mais [pessoas] diversas talvez?


A: Ouvindo histórias assim, conversas com a minha namorada e os amigos dela, eles me contaram algumas coisas sobre as histórias das festas LGBTs aqui em Bagé. Que antigamente, bem antigamente mesmo, na verdade não é bem antigamente que é bem recente isso né, digamos que, coisa de oito anos pra cá, as festas eram junções somente para convidados. Meus amigos tinham medo de ir para essas festas e apanharem, então eles não saiam pra festas normais, festas heterossexuais, frequentado pelo público heterossexual. Eles faziam as próprias junções, eram somente para pessoas convidadas que sabiam que eram pessoas homossexuais, bissexuais, que seriam recepcionadas de uma maneira agradável e que não sofreriam nada. Daí começou a aumentar, e aumentar e aumentar, e aí começou a ter uma pequena divulgação dessas festas, começaram a alugar locais, salões, para fazer festas assim, desse tipo, e isso foi aumentando e aumentando e aumentando até que teve a Mix Dance, aqui no Comemore. Depois teve na AABB, e aí as gurias abriram a Blackout lá na AABB, antes da AABB acho que teve outro local, mas depois foi pra AABB e por muito tempo foi lá na AABB e depois veio pra cá, pra Presidente Vargas, e aí mudaram lá pra perto do 15 agora. Mas as festas aqui em Bagé que o público LGBT frequentava era lugares restritos. Os heterossexuais não sabiam, eram convites para pessoas específicas.


W: E em relação às praças da cidade, tem histórias?


A: Eu não porque eu era muito fechada, então eu não. Na verdade eu passei grande parte da minha adolescência trancada em casa, eu só ficava conversando virtualmente com as pessoas, então não sei te dizer, não tenho a vivência disso. Sei que muitas pessoas ficavam ali na praça Esporte, na praça do Coreto era muito frequentado também, na praça do Silveira, eram locais que eu sabia de bastante gente, mas eu não frequentava.


W: Tu falou das redes sociais, qual tua relação com as redes?


A: A questão da rede social assim, eu falava com amigos que eu tinha, eu falava com um pessoal que era mais íntimo meu, nunca fui muito aberta a expor a minha vida nas redes sociais dessa maneira. Hoje em dia não me escondo em lugar nenhum, posto o que tiver que postar onde tiver que postar, tudo dentro dos limites que eu acho que são aceitáveis pra eu me sentir bem, porque eu nunca, nunca gostei de expor a minha vida, tanto como tem pessoas que expõem e que se sentem à vontade, mas isso é uma questão particular minha. Nunca usei a internet pra sair do armário, não tive esse momento da minha vida. Até porque a minha exposição, digamos assim, é muito nova. Eu namoro há um ano e três meses, nesse tempo eu posto fotos normais pra mim, nunca deixei e nunca vou deixar de me expor da maneira como eu gosto por eu ter me assumido. Então as redes sociais pra mim... me afeta ler muitas coisas, muitas matérias sobre preconceito e tal, mas enfim isso não tem como controlar, infelizmente.


C: Além das redes sociais, você nunca usou a internet como chatrooms, coisas para conhecer pessoas também LGBTs?


A: Não.


W: Sobre preconceito, aqui em Bagé tu já vivenciou, tu acha que existe? Como é que tu percebe?


A: Existe muito, existe. Não existe só o preconceito né, mas o preconceito existe sim. Eu nunca passei por situações, a minha namorada sim pode dizer pra vocês muita coisa horrível que ela já passou, porque ela é assumida desde os 13 anos e ela tem 25, vai fazer 25, ela sim pode contar muito mais coisas do que eu posso contar para vocês, mas eu já passei por uma situação que agora na cabeça é a única que me vem. Que eu tava na rua com ela e um cara nos parou e perguntou se a gente era irmãs, e eu falei que não que eu era namorada dela, e ele falou como assim namorada, mulher não pode namorar com mulher e eu falei que sim, eu podia o que eu quisesse. A gente podia sim. E ele ficou meio sem jeito e aquilo não me causou nenhum conflito interno, lógico que não, porque eu sei de preconceito, eu sei que o preconceito existe, eu só fico triste ainda com a desinformação das pessoas. Porque tem muita gente aí que morre e não se assume, por medo de sofrer preconceito, por medo da não aceitação das pessoas, por medo dessa cultura que as pessoas têm de dizerem dessa forma, ter que aceitar ou não, porque na verdade ninguém tem que aceitar nada, ninguém tá fazendo coisa de errado para as pessoas ter que aceitarem a pessoa, as pessoas têm que, sei lá, tratar com uma naturalidade porque as pessoas são assim. E Bagé tem muito preconceito, tem, principalmente porque nossa cidade é do interior, as culturas das pessoas aqui é do gauchinho, da gauchinha, que os homens vão pro campo trabalhar, as mulheres ficam em casa cuidando dos filhos e o casamento é entre homens e mulheres e ponto final. E é difícil para as pessoas, a nossa cultura é uma coisa muito forte, então é difícil para as pessoas abrirem a cabeça e verem que na verdade nunca foi cem por cento assim. As vezes tem alguns comentários chatos, até na internet, preconceituosos, as pessoas não aceitarem e tal, digo e afirmo que tem sim preconceito em Bagé.


W: E como é que tu se relaciona com a cultura gaúcha?


A: Eu não... porque assim, a minha família ela não tem muito envolvimento com questões do meio rural, tipo eu não frequento CTG, não tenho vivência na prática da cultura gaúcha, só sou gaúcha, gosto do meu estado, enfim, mas nao tenho pratica da cultura gaúcha. Tomo meu chimarrão todos os dias, com certeza, mas ir pra CTG, ir pra rodeio, ir pra Rural, nao tenho costume, nunca tive.


C: Bagé tem uma reputação, acho que escondida, como cidade das lésbicas, como você vê isso?


A: Bagé tem essa reputação?


C: Sim. Como você vê a visibilidade lésbica na cidade?


A: [risos] Eu nem sabia. Bom, existe preconceito até entre as lésbicas, tem muita gente que eu sei que é lésbica e não se assume e acaba diminuindo ou tem preconceito porque na verdade a pessoa é infeliz e não consegue se assumir. Até nem sabia, bem curiosa, como é que é?


C: Cidade das lésbicas.


A: Cidade das lésbicas, eu nem sabia disso. Mas que tem muito, tem mesmo, e as pessoas não conseguem, muita gente tem coragem e se assume, se abre pro mundo, mas muitas meninas aqui realmente não se assumem, não se abrem.


W: Eu ia perguntar, tu acha que tem essa resistência nas pessoas LGBTs de Bagé também?


A: Tem, tem. Claro que sempre tem aquelas pessoas que as pessoas costumam dizer que são rebeldes porque se abrem, se mostram como são e não tão nem aí para as pessoas, não querem saber da opinião dos outros e acabam sendo taxadas como rebeldes e tem as pessoas que são mais reservadas, mais tímidas, e as pessoas que não se assumem. Tem muito ainda.


W: Como tu percebe que o Brasil tem lidado com a questão LGBT?


A: O público LGBT tem um apoio bem significativo, até digamos de uma parte do poder legislativo do Brasil, mas ainda tem muita gente no Brasil que acha incrível preservar, acha incrível bater no peito e dizer que é conservador, que é isso, que é aquilo, e acaba prejudicando o progresso da igualdade de direitos entre os homossexuais e os heterossexuais e bissexuais, de toda essa comunidade que se sente LGBT, que se expressa LGBT. O Brasil tem dado grandes passos em equiparar a homofobia a crimes de ódio como o racismo, a aceitar a união homoafetiva como presente no código civil, porque o código civil ele diz que o casamento é entre homem e mulher e na verdade o casamento não é só entre homens e mulheres, a prática não é essa. O pessoal sempre diz que as leis tem que acompanhar a sociedade mas no caso, a sociedade evoluiu, as pessoas evoluíram, grande parte das pessoas né, evoluíram em enxergar que o casamento não é só feito, não tem que ser só feito entre homem e mulher, mas a lei ainda tá progredindo, mas ainda não diz lá casamento entre pessoas. Então a lei ainda tá um pouco retrógrada, mas sempre tem alguém que quer puxar isso, quer trazer essa pauta, traz a votação de certas normas, assim, eu sou do direito e eu sempre vou puxar a conversa um pouquinho pro direito. Como tu havia dito, no meu TCC, eu falei sobre os direitos reprodutivos da mulher, mas eu tratei de um ponto específico que as pessoas da Urcamp não costumam trazer, não costumam abordar. Porque, essa questão das leis progredirem conforme vai mudando os costumes da sociedade, os hábitos da sociedade, para o código penal não é verdade isso, as pessoas não sabem mas o código penal foi redigido em 1948, mas baseado nos costumes de 30, nos anos de 30. E se for parar pra pensar o que mudou da década de 30 para década que a gente vive hoje? Muita coisa. Então, as leis hoje estão sendo mudadas, muita gente tá tentando mudar, tá tentando inserir coisas, que na verdade é a vivência das pessoas, mas tem muita resistência ainda, principalmente no ano atual, com esse novo partido que assumiu o comando do  Brasil.


W: E aqui em Bagé tu vê também movimentos sociais? Participa?


A: Eu e a minha namorada a gente até fez, na verdade a minha namorada que encabeçou e eu entrei junto com ela, de uma situação muito chata que aconteceu aqui em Bagé numa festa, não sei se tu ficou sabendo, numa festa em que dois meninos foram esculachados, e a gente achou aquilo um absurdo e a gente criou um grupo no Facebook, não um grupo mas um evento no Facebook, conversamos com os meninos, com autorização deles, pra gente fazer uma manifestação, a gente não  queria que ficasse por isso mesmo. A gente convidou toda população LGBT e não só os LGBTs mas todos os simpatizantes com a nossa causa para ir protestar e a gente deu início a isso. Temos um grupo no Whats pra falar sobre isso toda vez que alguém sofre algum preconceito, até porque se não nos ajudarmos quem irá nos ajudar. E já vi algumas outras, teve até uma passeata alguns anos, não me lembro muito bem de quem partiu, mas se não me engano teve.


W: Teve em 2013 que uma pessoa foi assassinada, a Lacraia, e teve um ato sobre isso e também teve um ato em relação a cura gay, teve um ato contra isso também.


A: Eu não me lembro muito bem mas acho que é algo do tipo, me lembro que teve alguma coisa.


W: E tu já foi nas paradas? Já aconteceu umas três aqui em Bagé.


A: Não, nem sabia que tinha.


W: 2016 teve a primeira, eu acho, 2017 a segunda, querem fazer uma outra, acontece na Praça Esporte.


A: Não sabia.


W: E sobre teu TCC, o que tu fala sobre?


A: Eu falei sobre a criminalização do aborto, eu abordei de uma maneira diferente, porque eu acredito que a criminalização do aborto não seja a melhor maneira de evitar que isso aconteça. Eu acho que isso seja mais uma maneira de diminuir as mulheres frente a sociedade, então eu trouxe argumentos e dados por meu TCC pra demonstrar que a criminalização do aborto talvez não seja a melhor maneira da legislação tratar o aborto de uma forma a prevenir que isso aconteça.


W: E como foi pra ti falar disso? Como acha que foi recebida essas ideias.


A: Na verdade o tema do meu TCC foi sugerido por uma professora minha de direito de família. Eu não sei porque mas de um grupo de 15 alunas ela sugeriu esse tema pra mim, não sei se ela me achou uma pessoa polêmica, sei lá, mas ela sugeriu o tema específico pra mim e eu achei incrível porque a Urcamp, ela tem uma resistência em falar sobre assuntos desse tipo. O primeiro TCC ali é a pesquisa, o segundo TCC é que a gente aprofunda mais sobre o assunto, fala, que é o TCC que a gente conta, a gente explica o nosso trabalho. A minha primeira banca foi super tranquila mas já a segunda eu peguei uma professora lésbica, na minha banca era uma professora lésbica e um professor que é delegado, vou me restringir a só isso. E de última hora a professora lésbica e feminista não pode participar e foi um professor de história na minha banca. Nas questões do meu trabalho em si ali da montagem, da formulação do meu trabalho, do meu texto, eu nao tive nenhum... não fui criticada em nada, tanto que eu ganhei 10, mas só teve pontos específicos que o delegado que participou da minha banca citou que, claramente, foram questões morais próprias e específicas dele, foram coisas que eu nao achei muito legal de receber críticas ditas como construtivas sendo baseadas especificamente em preceitos morais próprios. Que foi exatamente a tecla que eu bati no meu TCC, que hoje em dia as leis penais são baseadas nos costumes da década de 30, 1930, então muita coisa mudou, muita coisa progrediu e as leis ainda continuam lá.


W: Tu lembra de momentos que tu acha que tenham sido marcantes na história do Brasil, ou talvez na tua história pessoal também, para essa mudança de como as pessoas LGBTs são percebidas na sociedade?


A: A Globo tem uma influência muito grande nisso, por trazer, por abordar em séries, novelas, filmes, de trazer mais isso, esse conteúdo de um tempo pra cá, que não era visto, não era aproveitado, não era lapidado. Então eu acho que a Globo, pra mim, tem uma grande influência nisso, pro público brasileiro ter acesso a existência disso, porque muitas pessoas até por falta de informação, de acesso a isso, e com o medo das pessoas se assumirem e a falta de visibilidade dessa gente, isso não era visto como natural, como normal, então eu acho que a Rede Globo ajudou muito a visibilidade e ao acesso à existência do público LGBT como normal.


W: Tu vê histórias, narrativas, representações, que tu se identifica? Tanto na cultura pop, produtos culturais ou na mídia.


A: De me identificar não, eu vejo por exemplo novelas, alguma história de menina que só se assumiu depois de mais velha, que sempre viveu se sentindo estranha, enfim, claro, me identifico pela minha vivência, mas questões da música até não sei, só me identificar com o público mesmo. O pessoal que é artista tem uma sensibilidade diferente de pessoas que não são artistas... cantores, atores, atrizes, tem uma sensibilidade diferente da gente. Então eu acho que essas pessoas... é mais natural pra eles,  então eu me identifico mais com essas pessoas, mas é isso.


W: E como tu se relaciona com a causa LGBT, com a luta, tu se relaciona?


A: Eu não sou das mais ativas, eu to terminando meu curso, tô fazendo estágio, tô estudando pra OAB, eu não tenho tempo pra participar de reuniões, mas eu não me calo, como o caso desses rapazes da festa e tal que a gente fez um movimento, uma manifestação, eu e a Andressa participamos. Eu não sou mais uma militante fervorosa porque eu não tenho muito tempo, mas também não me calo quando vejo algum preconceito, alguma situação chata, normal, eu nao deixo quieta as coisas, não fico quieta, mas eu não participo de nenhum grupo militante ou coisa do tipo.


C: Você acha que Bagé tem um grupo militante que luta por isso?


A: Nem sei se tem, não sei te dizer.


C: A última pergunta que eu tinha, voltando para a ideia da Urcamp, você faz a faculdade de direito que às vezes é vista como mais conservadora na cidade, como tem sido lidar com isso, mesmo você se assumindo na universidade.


A: Lá dentro eu nunca sofri preconceito, nunca fui discriminada, nunca fui nada, mas é verdade que o curso de direito é super conservador, só que ao mesmo tempo tem aumentado muito, eu não sei dizer de quanto tempo pra cá, mas de dois anos pra cá, o pessoal que tem frequentado a Urcamp tem se assumido muito, então nos corredores é muito mais normal agora eu transitar por pessoas visivelmente LGBTs do que antigamente, então pra mim ta sendo natural, e acredito que pra essas pessoas também, tá muito mais normal pessoas homossexuais, bissexuais, transitarem pela Urcamp e serem acadêmicos, frequentarem a Urcamp como acadêmicos mesmo, do que anos atrás, quando eu entrei na faculdade. Acho que o pessoal tá conseguindo se expressar melhor e viver melhor ali de um tempo pra cá, tá diferente. Embora muitos professores ainda sejam preconceituosos, e são muito, são mesmo, expõe os alunos em jornais, não diretamente, não de expor de ir lá e colocar o nome do aluno específico, mas contar histórias e remeter histórias ao público e de certa forma acabam ridicularizando, isso sim, e eu tenho pavor da Urcamp por causa disso. Eu tenho pavor da Urcamp por causa disso, de situações em que eles expõem os alunos de uma maneira horrível e ninguém faz nada, ninguém faz nada. A própria reitora da Urcamp, homossexual, casada com uma mulher, e não faz nada, ninguém tem uma posição sobre certas coisas que aconteceram ditas por professores, dentro de sala de aula, horríveis, que muitos alunos, sério, e ninguém fala nada porque ninguém tem coragem. Alunos se sentirem ridicularizados, diminuídos e principalmente as mulheres, de ter situações ridículas em que professores dentro de sala de aula dão exemplos ridículos e ninguém faz nada. Então a Urcamp deixa muito a desejar nesse sentido mas eu to vendo que o pessoal tá botando a cara a tapa, ta correndo atrás. De outros cursos né, porque o pessoal do direito são alguns alunos, alguns alunos que tem coragem de falar.

W: Eu tenho mais duas perguntas, o que tu acha que, em Bagé, faz te olharem torto ou que acham estranho em ti?


A: Por eu ter, a minha vida inteira, transparecido pras pessoas ser heterossexual e eu ter me assumido, porque as pessoas esperam alguma coisa de mim que na verdade não é. Eu sei que pra muita gente foi da noite pro dia, mas pra mim não é, pra mim não foi. Eu ter me mostrado pras pessoas que eu gosto de mulher, e isso porque na verdade o meio em que eu vivia, as pessoas que eu me relacionava, tinha muita gente sim preconceituosa e difícil de aceitar. Não digo que meus amigos em si mas os amigos dos meus amigos, os rapazes que as minhas amigas ficavam, pras pessoas eu tenho certeza que foi um choque.


W: E o que tu espera do futuro em relação ao movimento?


A: Eu espero sinceramente que as pessoas LGBTs consigam cem por cento ter tranquilidade de serem quem elas realmente são, sem ser julgadas e discriminadas somente pela existência. Que a existência de uma pessoa não incomode os outros e que todo mundo seja livre pra ser o que é e ser feliz da maneira que é sem ter nenhum julgamento dos outros.


C: Você acredita que vai ficar em Bagé depois de se formar, acredita que esse é um espaço onde pode continuar se desenvolvendo sendo LGBT.


A: Acho que seria importante não querer fugir de Bagé, porque se ninguém mostrar que isso realmente existe aqui em Bagé, a cultura vai ficar sempre restrita aos costumes antigos. Mas eu acho que gostaria também de sair, por uma questão profissional, por querer expandir a minha vida profissional, trabalhar em outros lugares, viver outras coisas, mas não pra fugir, pra me sentir melhor, eu exijo me sentir bem na minha cidade, e isso pra mim tem que bastar. Não que eu vá querer fugir algum dia, mas viver bem aonde quer que seja. Acho que as pessoas tem que se sentir bem sim em Bagé, porque existe, nós existimos e a gente não vai se calar. Eu pelo menos não vou.

Aline Alano: Text
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