Pâmela: Boa tarde Nágila.. Então, essa pesquisa é parte do projeto Memória LGBT que está sendo realizado na Unipampa, que tem como intuito trazer um pouco da memória LGBT de Bagé que tu tenha aqui e que tu tenha construído aqui em Bagé. Vou pedir pra ti falar primeiramente teu nome, tua idade e como que tu te identifica na sigla LGBT.
Nágila: Meu nome é Nágila Camponogara, eu tenho 27 anos e eu me identifico, no momento, como lésbica… mas… na verdade eu me identifico como bi, mas no momento sou lésbica. (risos)
Pâmela: (risos) E como é que é a tua relação com a cidade de Bagé?
Nágila: Eu nasci aqui, vivi fora… meu pai trabalhou no Uruguai, então eu vivi alguns anos lá, no Uruguai mesmo e depois eu fui pra Livramento, depois voltei pra Bagé e ano passado eu morei meio ano em Rio Grande.
Pâmela: Uhum.. e como é que é a tua relação com a tua família?
Nágila: Em relação a eu ser lésbica?
Pâmela: Isso
Nágila: Então, agora é super tranquilo… meu pai e a minha mãe trabalham comigo e a minha namorada janta e almoça com a gente, mas antes não era assim.
Pâmela: E tu te importa um pouco de falar como era antes?
Nágila: Ah… Assim, antes (talvez eu responda algumas perguntas de vocês enquanto eu vou falando), eu me identifiquei bi/lésbica, enfim, no ensino médio, eu jogava futsal (risos) não sei porque sempre tem essa ligação, mas eu praticava esportes e tudo mais e aí conheci algumas meninas e senti atração… eu acho que eu já tinha sentido atração, mas não assim de “a meu deus, eu quero beijar uma garota”, mas no ensino médio rolou e aí eu beijei (risos) e aí eu vi que eu curtia e a minha mãe não aceitou tão bem na época, meu pai eu nem cogitava falar pra ele… aí a mãe falou que não queria que eu jogasse e tudo mais, na época eu acho que foi uma tentativa falha de me privar de eu viver no mundo LGBT… mas aí a gente teve uma conversa e eu falei pra ela que em qualquer lugar existe pessoas LGBT e se eu tivesse que ir no mercado e encontrar uma menina que vai me chamar a atenção eu vou encontrar e enfim… aí tudo bem, passou… em seguida, logo ela tentou, como eu era menor de idade né, me segurar em casa e tal, não me deixava eu sair e aí eu fui trabalhar e fui morar sozinha, logo cedo assim, pra ter minha liberdade. Aí eu comecei a trabalhar, construir minha vida profissional e aí eu acho que mudou a cabeça dela talvez, de alguma forma e ela entendeu, acho que ela também leu a respeito, bastante, e de repente ela já estava aceitando de boa e conheceu todas as minhas namoradas e conviveu super bem com todas… e o pai, enfim, eu não falava, não falava, por medo e enfim, e ele foi o mais de boas, nem precisou falar e ele só riu de mim o dia que eu resolvi tocar no assunto, porque ele já sabia, já aceitava.
Pâmela: Uhum.. e qual é a tua primeira memória LGBT aqui na cidade?
Nágila: Hum… poxa…
Pâmela: Tem alguma.. por exemplo, tu te assumiu bem nova, tem alguma festa que tu lembre? algo assim?
Nágila: É, até a primeira guria que eu fiquei, não foi em Bagé, mas eu conheci através de jogo, em outra cidade, não foi em Bagé.. Mas em Bagé foi com uma melhor amiga minha (risos).
Pâmela: E como tu morou fora, tu já te identificava como bi/lésbica quando morou lá?
Nágila: Não, eu era muito pequena… mas agora em Rio Grande sim, eu já tinha tido namoradas, acabei conhecendo a Bruna, que é a minha atual namorada, lá e infelizmente eu vivo um romance a distância (risos).
Pâmela: (risos) e como é que tu percebe a comunidade LGBT aqui e lá em Rio Grande?
Nágila: Ah, tem diferença... Bagé é uma cidade de pessoas velhas, que não aceitam... e Rio Grande, acho que por ter a FURG lá, que é uma faculdade mais antiga, é cidade de porto também e muita gente vai trabalhar lá, eu acho que mistura mais as culturas, não sei e eles tem a mente bem mais aberta... tanto que eu gosto bastante de ir pra lá, sempre a gente aproveita, até pra Blackout mesmo, pra ideia de festa e tudo mais, porque aqui em Bagé, a gente tem até medo as vezes de testar... bom, não vamos longe, a festa feminista que a gente tentou não deu certo e lá deu.
Pâmela: E como é que surgiu a ideia da Blackout?
Nágila: Na verdade, a Blackout surgiu, a Nathália é minha ex e minha sócia, não sei se vocês sabiam?
Pâmela: Que é tua ex não (risos), mas que é tua sócia sim
Nágila: (risos) Sim, a gente namorou e aí a gente virou muito amigas e, ela trabalhava aqui, antigamente era a empresa dos pais dela de distribuição de bebidas e eu trabalhava em eventos na AABB, e daí a gente tava muito amigas (depois de muito se matar né) (risos), aí a gente resolveu que ia fazer uma festa porque eu tava virando DJ, eu tinha comprado o curso e tal, tava aprendendo... aí eu pilhei ela e tal "vamos fazer", ai ela tinha o dinheiro e eu as idéias, e aí a gente investiu e deu certo... aí quando a gente viu que tava dando certo mesmo e se a gente arriscasse e fizesse virar um negócio, ia dar certo, a gente largou as duas o emprego e abriu CNPJ e legalizou tudo.
Pâmela: E como é que tu perceber, tu que trabalhava como DJ, como é que foi essa relação de ser DJ e sócia da festa?
Nágila: É difícil! Porque assim, eu gosto de produzir eventos, mas assim, eu gosto de tocar... aí eu tenho que dividir os tempos assim, geralmente como a Nati dorme até um pouco mais tarde, eu uso a manhã pra fazer minhas coisas de DJ e aí de tarde a gente vem pra cá e faz as coisas da Blackout... mas é complicado... é complicado mas ao mesmo tempo eu não teria crescido tanto se eu não tivesse a blackout e a blackout não teria crescido tanto se eu não me dedicasse pra tocar, entendeu? eu acho que os dois, um alavanca o outro.
Pâmela: E vocês fazem festas, já fizeram em Dom Pedrito, em Rio Grande, e...?
Nágila: A gente começou a produzir fora quando a página Gina Indelicada, uma página de humor, fez uma postagem dizendo que queria vir pro Sul e tal, e como a gente tava produzindo bastante coisa alternativa na cidade, e o único local assim que tinha era o Ateliê e ele fechou, e aí o que acontece... a gente até não era tão alternativo, porque sei lá, a gente tinha nosso estilo, não era tão alternativo como o Ateliê, eu frequentava mas eu notava que não era tanto assim. Só que eu acho que a galera alternativa, do público que era do Ateliê, ficou carente e como a gente era a festa mais próxima do respeito que eles queriam, entendeu? E aí tipo, acho que foi se construindo um público diferente. E a Gina na época, eu acho que pelo Henrique ser gay também, a galera tudo nos marcou, por ser uma festa diferente, em Bagé, a única festa que teria coragem de produzir e trazer a festa a Gina Indelicada e tal, eu acho que seria nós né, e por isso começaram a nos marcar e a gente viu que chovia comentário nos marcando e a gente "bá" nunca tinha trazido gente de fora né e a gente tinha juntado uma grana em caixa e era o aniversário da Blackout de, 3 anos, eu acho... era 1 ano, e aí a gente já tinha regularizado tudo e a gente tinha juntado uma grana e era caro pra trazer ele, eu lembro que a gente... arriscar assim alto é ruim, porque tu não sabe se vai dar certo ou não, né? e a gente tinha que pagar passagem aérea pra trazer ele de São Paulo pra cá, tinha que pagar custo de hotel, tinha que pagar um monte de coisa.. ai tá, a gente trouxe ele, produziu, foi sucesso... eu arrisco a dizer que foi a festa que nos deu maior visibilidade, até em Pelotas e Rio Grande ficaram sabendo que a gente que tava trazendo e tal, e ele tava com alguns problemas de produção em Rio Grande, por conta de chegar lá, vender super bem a festa, só chegar lá no meio da noite e acabar a bebida 3 horas da manhã ou a bebida estar quente, tipo coisa de logística sabe? Aí ele disse "ba gurias, to com um problema em Rio Grande... vocês não pilham de produzir lá?" porque aqui tinha sido tudo massa na festa, tipo, sobrou bebida, bebida gelada e tudo e aí a Nati tem casa lá né... e aí a gente calculou assim, despesas e tudo... ué, dá! Mas aí tem que se vender a festa e ele "não.. vender, eu vendo a festa" porque a gente não tinha contato lá, não tinha nada né... Aí ele fez marketing, ele é muito bom nessa parte né, e aí vendeu a festa e foi um sucesso lá em Rio Grande e a gente fez a festa ser perfeita em relação a estrutura... Aí ele falou "Vamos pra Santa Maria.." e aí a gente foi... só que em Santa Maria a gente teve muito mais gasto, porque a gente não tinha hospedagem né, e os hotéis eram muito caros e recém tinha acontecido o esquema da KISS e aí a gente teve que pagar um monte de imposto, e aí deu prejuízo a festa... Mas foi boa, porque a gente levou o nome da Blackout para Santa Maria. E aí, surgiu Pelotas, que na época ele tava com atrito com a The Way e tal, aí ele disse "Ah... vocês estão produzindo Santa Maria e Rio Grande, então vamos pra Pelotas"... só que aí a gente meio que mordeu a isca... ele tinha tido briga com a The Way e aí claro, ele queria seguir fazendo em Pelotas, e aí ele largou pra nós, a gente meio que se indispôs na época com a The Way, depois conversamos, fizemos as pazes e tal, mas aí foi que a gente conseguiu, com a Gina, abrir as outras cidades e aí a galera das outras cidades viu que a gente tinha produzido os eventos e que tinha sido bom a produção em si e aí a gente começou a fazer outros eventos que eles foram, tipo, comprando a ideia... claro que com isso a gente também foi conhecendo o público, fazendo contato... e aí, de repente a gente já tava em várias cidades.
Pâmela: E como é que tu percebia essa diferença das festas em outros locais, maiores, e aqui em Bagé? Tu percebia algum tipo de preconceito, por serem em cidades maiores e aqui uma cidade menor?
Nágila: É que também tem outros fatores né... Tipo, Santa Maria tem muito mais o número de habitantes, é muito maior, Rio Grande também, só que sempre teve mais público nas outras cidades... Tanto que assim, Rio Grande hoje em dia a gente faz uma vez no mês e tipo, as festas lá, dá umas 700 pessoas, na Signos a gente bota 1000 pessoas... coisa que aqui em Bagé, só a Engloukos bota... por quê? Porque a Engloukos é uma festa comercial, não é uma festa alternativa... então, tipo, tu vê a diferença aí... o público alternativo fora da cidade, o LGBT... alternativo que eu digo o LGBT, a gente trabalha com o público LGBT mas também considero que tem outras pessoas, que são mais alternativas, não que sejam parte do público LGBT, mas que frequentam... ã.. com certeza se vende muito mais fácil fora de Bagé, tipo, em Bagé, tanto que hoje em dia para manter as despesas que a gente tem, a gente teve que se adaptar um pouco ao público de Bagé... Tem festas aí que tipo, é Trap, é Funk, que é o que a gente... por exemplo, em um mês a gente tem 4 finais de semana, a gente precisa abrir a casa, no mínimo, 5, pra se pagar as despesas... só que com festa alternativa, se a gente abrisse, só com o público LGBT, não se pagaria as despesas, entendeu? então, tipo, administrativamente a gente teve que se adaptar pra também receber o público "hétero" pra ajudar a pagar as despesas.
Pâmela: E pra vocês como é que foi essa relação, vocês sempre pensaram para o público LGBT?
Nágila: Na verdade, não, porque a gente fez os cálculos e viu que não ia se pagar.. que a gente ia ter que abraçar mais galera, um jeito que abrangesse mais... então tipo, a nossa ideia sempre foi pregar o respeito, fazer com que respeitassem os nossos ideais, mas ao mesmo tempo tentar englobar mais gente e tipo, gente que seja legal de se conviver... Então, na época, a gente levantou a bandeira de ser uma casa alternativa com cunho universitário... Então, tipo, com a galera da Unipampa, que foi essencial pro nosso crescimento, que era o público universitário, a gente conseguiu ir crescendo e... tipo, porque a gente iniciou o negócio e ainda não tinha muito dinheiro, então a gente conseguiu fazer uma captação assim, pra investir no dinheiro, com o público universitário.
Pâmela: Agora, voltando pra parte mais pessoal, como é que foi pra ti te perceber parte da comunidade LGBT? Como foi o teu processo de autoaceitação?
Nágila: Bom, eu já sabia... Tipo, eu nunca liguei... um pouco sim, eu me importava com a minha família, mas eu nunca liguei pro que vão pensar, tipo... sei lá, acho que não muda nada.
Pâmela: E como é que tu percebe/percebia algum tipo de preconceito em relação ao teu profissionalismo, no caso, tu sempre atuou na Blackout ou já atuou em outras festas?
Nágila: Foi difícil, difícil conquistar espaço fora... Eu até me arrisco a dizer que a Blackout... Tipo, começou por eu não espaço, digamos... Na época não estavam abrindo espaço e aí foi que surgiu a ideia de fazer, pra eu ter oportunidade de mostrar meu trabalho, e a Nati, claro, abraçou a ideia e fez junto e assim foi... Mas a ideia surgiu porque eu queria tocar na época e não abriam espaço... Até, tipo, talvez, um pouco, por eu ser mulher... não sei... talvez um pouco por eu ser mulher, e um pouco por eu ficar com meninas... Mas tipo, hoje em dia mudou, mas mudou porque? Por que eu tive que mostrar muita coisa, porque realmente existe preconceito.
Pâmela: E alguma coisa mudou depois de tu te assumir em relação a amigos, a família?