- Christian Flores
HISTÓRIA ORAL E MEMÓRIA LGBT NA CIDADE DE BAGÉ/RS
Updated: Feb 25, 2020
Pâmela Soares Jardim
Licencianda/ Universidade Federal do Pampa
Gilberto Stanchack Andrade de Lima
Licenciando/ Universidade Federal do Pampa
Esse ensaio foi publicado pelos Anais do 5o Encontro Humanistico Multidisciplinar, "PESQUISA E SOCIEDADE: Desafios e Possibilidades." Você pode achar a publicação na página 417, nesse link: https://claec.org/ehm/wp-content/uploads/sites/2/2020/02/ANAIS_-V-EHM_FINAL.pdf
INTRODUÇÃO
A história da comunidade LGBT ainda é comumente excluída da história oficial, porém, quando nos é apresentada essas narrativas, normalmente é vista em grandes centros metropolitanos e, sendo assim, em cidades de interior do país, a memória do público LGBT vem sendo ignorada e, muitas vezes, apagada. Portanto, isso é visível na cidade de Bagé, visto que é uma cidade de médio porte, localizada na região do Pampa do Rio Grande do Sul, próximo à fronteira com o Uruguai.
Em Bagé, é destacada a representação de uma visão de gaúcho “macho” tradicionalista, ideia que foi popularizada nacionalmente pelo livro “O Analista de Bagé” de Luís Fernando Veríssimo e, deste modo, a cidade é vista como conservadora, machista e opressora por pessoas LGBTs. Porém, também se revela na cidade, as memórias do público LGBTs, entre eles, um vereador homossexual, uma mulher abertamente lésbica comandando a reitoria da URCAMP (Universidade da Região da Campanha), a principal universidade privada da cidade e, além disso, história de travestis que construíram suas vidas em Bagé. Também é possível ver avanços sobre direitos de pessoas LGBTs nacionalmente, como é o caso da primeira adoção de uma criança por mulheres lésbicas, no ano de 2005, onde a cidade foi a pioneira, do país, a aprovar a adoção, no qual o caso foi até o Supremo Tribunal da Justiça e conseguiu o direito à adoção a todos os casais homoafetivos do Brasil em 2010.
A visibilidade e os direitos outorgados pela justiça mostra a contradição da visão tradicionalista e conservadora que a cidade apresenta. Porém, ainda assim, a história oficial de Bagé não reflete a realidade de diversos sujeitos, como apresentamos neste trabalho.
Deste modo, pensando nessas contradições que são visíveis em Bagé e também pensando na falta e dados apresentados a nós sobre os sujeitos LGBTs na cidade, realizamos o projeto de pesquisa “Memória LGBT - Bagé”, que está sendo realizado na Universidade Federal do Pampa em Bagé, integrado por sete participantes do programa Idioma Sem Fronteiras e CAPES/Fulbright, o qual tem por objetivo preservar, realçar e dar visibilidade à história LGBT do interior gaúcho.
Pretendemos neste trabalho, apresentar nossa metodologia e os primeiros resultados obtidos até agora em nossa pesquisa. Para isso, trabalhamos com a ideia de trazer a história LGBT dos grandes centros urbanos, onde é tipicamente visto como o foco para o interior e, talvez assim, possamos desenvolver a narrativa do progresso LGBT para além destes grandes centros. Além disso, começaremos a “estranhar” (LOURO, 2018) a história local, e também, preservar o que é apagado, pelo que o autor Michel Foucalt chama de “hipótese repressiva”.
Para poder entender melhor a memória LGBT na cidade, foi preciso ler e entender o que é a história LGBT primeiramente, para logo, poder entrar em contato com pessoas que são parte da comunidade na cidade de Bagé. O foco deste trabalho é entender essas vivências e memórias do público LGBT que nos foi apresentada por diversas pessoas, que serão apresentadas neste trabalho a seguir, e como estes indivíduos percebem a cidade de Bagé em relação a comunidade LGBT e sua visibilidade.
Para que possamos entender as inúmeras contradições encontradas até aqui, foi importante primeiramente entender o contexto LGBT na cidade, e para isso, também pesquisamos no Arquivo Público de Bagé, além de jornais e revistas locais, para que logo, pudéssemos começar a realização de entrevistas com este público. Essa pesquisa evidencia que ainda existem muitas contradições na narrativa que aborda o conservadorismo gaúcho em Bagé, que também é visível em pessoas LGBTs em suas histórias e memórias.
É perceptível que a cidade de Bagé ainda possui uma luta muito consistente pelo direito dessa população, apesar de ainda se observar o tradicionalismo presente neste município e, de acordo com este fato, buscamos realçar o passado e observar como essa história se evolui para pessoas da comunidade LGBT que possuem uma história com essa cidade.
METODOLOGIA
Para a realização deste trabalho, optamos por trabalhar com a história oral, a qual Alves (2016) define como “uma metodologia de pesquisa que busca ouvir e registrar as vozes dos sujeitos excluídos da história oficial e inseri-los dentro dela”, visto que os sujeitos LGBT ainda é um público com pouca voz e visibilidade na cidade de Bagé. Além disso, também partimos da abordagem qualitativa a qual Creswell (2010) define como “um meio para explorar e para entender o significado que os indivíduos ou os grupos atribuem a um problema social ou humano”. Para dar início às pesquisas, primeiramente iniciamos com pré entrevistas, como mostraremos em duas fotos abaixo, realizadas com os indivíduos que constituem o grupo do projeto de pesquisa, o qual cada membro deveria entrevistar um membro e assim por diante. Estas pré entrevistas foram um modo de preparo para as entrevistas que seriam/serão realizadas com o público da comunidade LGBT da cidade.
Figura 1: Entrevista realizada entre os componentes do grupo de pesquisa. Fonte: Autores (2019)
Logo, partimos para uma investigação para realizar as entrevistas com pessoas da comunidade LGBT e que sejam nascidas na cidade de Bagé e, para isso, foi preciso montar uma planilha no Drive, na qual contém dados de pessoas que seriam/serão entrevistadas e datas para a realização destas entrevistas, como apresentaremos a seguir em uma imagem. É importante destacar que alguns dos dados dos entrevistados, como nome e endereço de contato, não mostraremos na figura abaixo.
Figura 2: Tabela contendo número de indivíduos para a realização da pesquisa. Fonte: Autores (2019)
Deste modo, até o momento obtivemos um total de quarenta e três pessoas que ainda serão entrevistadas, entre elas vinte e uma mulheres e vinte e dois homens. Porém, até o momento, foram realizadas um total de treze entrevistas, nas quais seis são com mulheres, cinco são mulheres cisgênero lésbicas e uma mulher transexual hetero. Além disso, foram realizadas sete entrevistas com homens, entre eles, um homem cisgênero bissexual, cinco homens cisgênero gays e um homem transexual bissexual.
Para a análise destes dados, foi necessário, após a realização de cada entrevista, a audição e transcrição de cada áudio. Sendo assim, separamos a entrevista em três tópicos, sendo eles o primeiro tópico, o silêncio, onde buscamos entender os traumas das pessoas entrevistadas, em um segundo momento, o sexo, onde buscamos compreender quais estratégias que essas pessoas, sendo parte da comunidade LGBT de uma cidade pequena, utilizavam/utilizam para encontrar parceiros/parceiras dentro da cidade e, por último, a amizade, onde tentamos entender como essa pessoa se relaciona a comunidade ao redor e, além disso, tratamos da política para entender se essas pessoas também conseguem lutar por seus direitos e de que forma.
RESULTADOS
Seguindo nosso método para a realização deste trabalho, apresentaremos a seguir os resultados encontrados até o momento. Ao analisar as entrevistas realizadas até aqui, percebemos que os narradores possuem, de alguma maneira, pontos em comum, como o despertencimento na cidade de Bagé, no qual todos eles afirmam que apesar de todos serem Bageenses, ainda assim, eles não sentem fazer parte da sociedade civil Bageense. Também destacamos o ponto da desunião da comunidade LGBT na cidade, visto que eles afirmam que existe sim pessoas que organizam a parada, por exemplo, porém o sentimento de irmandade entre as pessoas presentes na comunidade LGBT na cidade, não existe. Além disso, o fato de que não há um espaço propriamente dito para este público na cidade, porém o pessoal da comunidade consegue criar seu próprio espaço privado ou público.
Para melhor entender sobre os resultados encontrados no trabalho, abordaremos a seguir alguns pontos chaves das entrevistas realizadas até o momento. É importante destacar aqui que os entrevistados serão apresentados por siglas, para não apresentar o nome dos entrevistados, porém, ao realizar as entrevistas, cada entrevistado tem a opção de anonimato ou não, de maneira com que se sinta mais confortável.
Primeiramente trazemos a entrevistada “JV”, mulher cisgênero, negra e lésbica, de vinte e três anos. Atualmente, atua como Social Media, DJ e Fotógrafa e também é estudante de Sistemas de Informações. A entrevistada começa abordando a negritude, contando como foi difícil para ela ao se perceber como mulher negra e lésbica e que, a partir deste momento, ela começou a pesquisar mais, a procurar saber mais acerca desses temas. Além disso, a entrevistada aborda um tópico que para ela é muito importante, onde ela retratada sua realidade no mundo das ciências exatas, visto que no momento ela é estudante em uma universidade privada na cidade de Bagé e, para ela, é um local onde não se percebe a presença de mulheres, assim como a presença do público LGBT neste ambiente. Em relação a este tópico, JV relata que além do preconceito que ela percebe no mundo das exatas, ela percebe o preconceito dentro do mercado de trabalho, visto que no local de trabalho dela, muitas vezes ela percebe que em geral as pessoas que estão fora do setor onde ela se encontra, é perceptível um tratamento de maneira diferente e sendo assim, percebendo um maior preconceito. Ao perguntar a JV sobre como ela percebe a comunidade LGBT na cidade, ela respondeu que para ela, a comunidade possui uma desunião, porém ela percebe que a cidade é representada quando se pensa em saúde LGBT, a qual, para ela, é apresentada a maioria da comunidade LGBT.
A seguir temos “AM”, homem branco cisgênero gay de sessenta e oito anos. Escritor do livro Dando Pinta – Memórias de um Homossexual. Graduado, pela URCAMP, em psicologia e direito. O narrador nasceu em Bagé, ficou no município até cerca de seus dezenove anos, quando mudou-se para Porto Alegre. Anos depois, passou a transitar entre Bagé nos finais de semana e a capital durante a semana, atualmente reside na cidade natal tendo casa na capital. Destacamos que nesse período ele passou pela crise da AIDS, onde relata todo o medo e angústia de ver seus amigos morrendo por conta da doença. Além disso sua narrativa relata que costumava caçar (procurar pretendentes) de carro na Avenida Santa Tecla e na Praça Escura (Praça Dr. Albano), local comum para esse tipo de interação desses sujeitos.
AM visibiliza a solidão do homem gay da terceira idade, fato intensificado tanto por ele ser cadeirante, quanto por a maioria de seus amigos terem morrido na crise da AIDS e ser filho mais novo de 7 irmãos. Mesmo sendo aposentado como bancário, e por consequência não pertencer a uma classe social baixa, ainda assim ele sente-se alheio a sociedade bageense por conta de sua orientação sexual. Além disso, ele conta que a chegada do preservativo em Bagé não agradou a muitos, várias pessoas não usavam por não gostarem, algo que reflete as estatísticas de altos níveis de ISTs na cidade. Segundo ele a AIDS chegou primeiro na capital, depois foi para o interior.
O narrador relata que “bicha não tem casa, bicha tem Chatô”. Por conta da marginalização social grupos de pessoas gays se obrigados a criar festas e ambientes de socialização particulares, considerando a falta de entretenimento local para esses indivíduos. Além da casa ter outro nome, no meio gay descrito por AM todos tinham nomes femininos nos chatôs, algo que realça a ideia da sociedade gay estar paralela em relação a sociedade civil. Comer, beber, dançar, cantar e ter sexo era a programação comum nessas reuniões.
Quando questionado sobre a comunidade LGBT, o psicólogo diz ser desunida e com rivalidade entre integrantes, segundo ele não existe sentimento de irmandade entre si, mesmo sofrendo de preconceitos vindo de grupos similares e, quando questionado sobre cultura gaúcha, ele afirma não fazer parte de esferas sociais que frequentam Centros de tradição gaúcha e não ter identidade dessa cultura. Prossegue dizendo de quando foi para Rio de Janeiro e Salvador os cariocas e soteropolitanos questionaram-no sobre chimarrão, dentre outros elementos da cultura gaúcha, mas sempre decepcionava-os quebrando suas expectativas ao responder que essas práticas, e elementos, não fazem parte de seu cotidiano
Logo, apresentamos a entrevistada “AB”, mulher cis lésbica de vinte e quatro anos, que atualmente cursa Direito pela Urcamp. AB inicia sua entrevista abordando o fato de que em Bagé é possível ver a violência psicológica mais forte do que a física e, para isso, ela dá um exemplo de um ocorrido com ela, a qual explica que certo dia, ela e sua namorada, estavam esperando o ônibus sentadas na porta da casa de um rapaz, AB conta que elas estavam juntas, e era possível que se percebesse que ambas eram namoradas, continua relatando que, logo elas se abraçarem, o rapaz jogou água quente por debaixo da porta, para que elas se queimassem e saíssem do local. AB também relata um preconceito que ela sofreu quando estava em sua escola, aos 15 anos, idade a qual se assumiu lésbica, que sua professora a chamou em frente a turma e pediu para que ela girasse para que os alunos a vissem e assim afirmando “É um pena que vocês não cuidaram e agora ela é lésbica”. AB afirma que o preconceito é muito forte na cidade e que muitas vezes, este é desmascarado como sendo piadas de mal gosto por pessoas próximas também.
Além disso, AB relata sobre seu primeiro estágio realizado na OAB de Bagé, onde ela afirma que, apesar de haver uma Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero, ainda assim é possível perceber um certo tipo de preconceito, por parte de colegas, com ela. Ela afirma que muitas dessas vezes, ocorreram pelo fato de AB não performar feminilidade, o que muitas pessoas pensam e confundem ela com homem e, tratando ela muitas vezes, de forma mais “masculina”. Ademais, AB relata o fato de que, ao estagiar neste ambiente, ela auxiliou o rapaz, o qual ela trouxe como exemplo anteriormente sobre o caso de homofobia, com seu processo durante seu tempo de estagiária.
Quando questionada sobre o fato de não performar a feminilidade e como ela percebia o preconceito sobre isso, AB afirma que o preconceito é muitas vezes pelo fato de que as pessoas pensam que ela quer ser um homem ou a tratam como um. Partindo desta afirmação, AB conta-nos uma história que aconteceu com ela, a qual ela foi a um casamento e todos os homens deveriam dançar com a noiva e, então, alguns conhecidos dela pediram para que ela fosse dançar junto da noiva, pensando e tratando-a de forma “masculina”. Já para AB, apesar de ela sofrer esse tipo de preconceito, ela crê que mulheres que performam a feminilidade sofrem também deste preconceito, porém, muitas vezes são sexualizadas e as pessoas não costumam respeitar quando estas se assumem lésbica. AB também comenta o fato de fazer parte de um centro de Umbanda em Bagé, onde as mulheres devem utilizar muitas vezes saias e blusas, o que para ela não é um problema quando deve utilizar visto que ela sabe que é uma regra para todas as mulheres.
Para finalizar a entrevista, AB fala um pouco da diferença da união LGBT em cidades que ela já morou em contraste com Bagé. Primeiramente AB fala sobre como em Florianópolis a visibilidade é maior e assim como o convívio com as pessoas da comunidade, visto que é oferecido mais locais abertos à população LGBT, assim como em Pelotas, onde AB morou também e para ela é mais respeitado e também é mais visível, diferente de Bagé onde ela afirma haver uma desunião da comunidade LGBT na cidade, visto que para ela, apesar de haver muita gente LGBT, as pessoas costumam ter muitas desavenças e isso causa uma desunião em integrantes da comunidade.
Após, apresentamos a entrevista realizada com LC, homem branco transgênero de vinte e três ano e, atualmente cursa Políticas públicas na URCAMP. O narrador conta seu duplo processo de identificação. Primeiro ele se identificou como uma mulher cisgênero lésbica, e anos depois ele passou a se identificar como homem transgênero, ao todo o processo de socializar com seu novo nome levou 4 anos. Isso quando ele terminou o ensino médio. LC atenta para o fato de que, sua avó, pessoa mais conservadora de sua família, foi a primeira pessoa a chamá-lo pelo nome masculino. O nome é uma das formas de se manifestar uma identidade, casos como LC mostram o quanto o apoio da família é importante, especialmente em um país com casos de LGBTfobia tão frequentes, junto da exclusão social, mesmo com a família sendo politicamente voltada para personalidades abertamente contra o grupo LGBT, LC sente-se integrado por eles.
Em sua entrevista LC conta sobre a transfobia sofrido em uma festa frequentada, e realizada, por pessoas LGBTs e tida como alternativa, a qual na entrada ele foi revistado por uma segurança mulher, quando todos os homens eram revistados pelo segurança masculino, e ao entrar na festa foi impedido de usar o banheiro correto de seu gênero, sendo obrigado a usar o banheiro feminino, porém homens gays tinham permissão de entrar no banheiro feminino.
Dentro do meio LGBT ele relata sentir um certo preconceito velado, além disso conta sobre não existir uma união como comunidade LGBT, mas uma proximidade de integrantes da cada sigla isoladamente.
O narrador está cursando Ciências Políticas em EAD, conta que não teve problemas com a documentação na instituição de ensino ou no mercado de trabalho, mesmo antes de obter sua carteira com o nome social, uma forma mais fácil de mudar o nome no documento. LC frequenta um terreiro de religião Africanista onde se sente acolhido e confortável, diz não ter enfrentado nenhum problema ou alguém ter pedido-lhe para usar saia ou qualquer outro elemento de gênero feminino
Para encerrar, apresentamos a entrevista realizada com “CR”, mulher cis lésbica de trinta e seis anos, atualmente cursa Gastronomia na Urcamp e é ex organizadora das festas Super Afim, Paradise e da 1° Parada LGBT de Bagé. CR começa abordando sua mudança de perspectiva ao pensar em Bagé. Para ela, a cidade costumava ser mais preconceituosa do que é agora, apesar de ainda haver preconceito e muitas vezes este ser velado.
CR comenta sobre os anos em que organizou festas. Estas festas tiveram início no ano de 2002 e terminaram em 2015, deste modo, ela aborda como foi difícil, no início, organizar festas LGBT (antes chamadas de GLS) na cidade de Bagé, visto que muitas vezes as pessoas não queriam ajudar com os custos, não se conseguia patrocínio e era difícil ainda conseguir promover essas festas. Para ela, apesar dessas dificuldades, ela sempre via como um espaço LGBT e ficavam felizes em promover a primeira festa voltada ao público LGBT. CR comenta que durante estes anos em que as festas foram realizadas, durante o ano de 2002, somente existia a Paradise, onde ela organizava com mais duas amigas. Logo, meados de 2010, surgiram algumas outras festas LGBT e também ela começou a organizar a Paradise sozinha. Apesar de sentir uma dificuldade, ela via que com o tempo, as pessoas começavam a se sentir mais eles mesmos dentro das festas, não existia apenas o público LGBT, porém ainda assim costumava ser uma festa com muito respeito.
CR fala sobre como ela percebe Pelotas, cidade a qual ela morou por 1 ano e, além disso, ela costumava frequentar as festas voltadas ao público LGBT quando mais nova. Para ela, a cidade de Pelotas é mais visível e menos preconceituosa quando pensamos nesse movimento, porém, ela não se sentia pertencente a cidade, diferente de Bagé, a qual ela se sente confortável.
Além disso, CR é casada com uma mulher e elas têm uma filha. Quando questionada sobre como é para as pessoas ao redor em relação a sua família, ela disse que nunca percebeu algum tipo de preconceito, visto que para ela, todas as pessoas agem de forma natural e quando ela está sem sua esposa, as pessoas perguntam por ela e a filha. Além disso, ela diz que tenta já conversar com sua filha sobre o tipo de família dela e conversa com a família para que nunca tratem como um tabu esse tipo de assunto, nem dentro de casa, e nem em casa de familiares. CR encerra falando que ainda hoje ela vê um avanço em relação a comunidade LGBT, que apesar de não haver tanta união em Bagé, ainda assim é possível ver novas leis e oportunidades ao público LGBT.
CONCLUSÃO
Ao analisar as entrevistas e obtermos os dados, percebemos que existem corpos LGBTs visíveis em Bagé e, apesar dessa visibilidade a população continua sentindo a violência psicológica nas ruas além do sentimento de despertencimento para com a cidade. Além disso, há um consenso de que as praças são lugares de reunião para pessoas da comunidade, junto com a criação de espaços privados para a junção desse povo e mesmo com a criação da Comissão de Gênero, Diversidade e Direitos Humanos nossos narradores não percebem a existência de uma comunidade LGBT unida no município.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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